Redescoberta de antiga Quinta tomarense: Família Seco e o Mapa do Cardeal Guido Sforza

Artigo in Jornal Cidade de Tomar de 2 de dezembro de 2016
 por João Amendoeira Peixoto


O presente artigo tem por objetivo valorizar a família Seco na história de Tomar com base na pesquisa de documentos diversos cuja importância são a dignificar e a explorar em estudos futuros. Este interesse deu início após analisar uma cópia do primeiro mapa de Portugal, datado de 1561, cujo original é da autoria de Fernando Álvaro (ou Álvares) Seco, onde nas proximidades de Tomar é assinalada a “Quinta dos Secos”. A Revista da Universidade de Letras (2010) revela-nos, que após D. Sebastião subir ao trono de Portugal, foi dada ordem a uma comitiva para se dirigir a Roma com determinados assuntos de estado, encabeçada pelo embaixador Lourenço Pires de Távora, que decorreu em Junho de 1559. Um desses assuntos terá sido procurar Guido Sforza, Cardeal de Santa Fiori e Carmelengo do Papa, protetor dos interessentes portugueses junto da Santa Sé e próximo da Casa de Habsburgo. (1) (2)
Em Roma, a 20 de Maio de 1560, o latinista português Aquiles Estaço (que ali residia) lê em latim a oração de obediência de D. Sebastião ao Papa Pio IV e Cardeais. O Cardeal Guido Sforza terá recebido de Aquiles Estaço, como benevolência do seu empenho em assuntos diversos, um mapa de Portugal continental da autoria de Fernando Álvaro Seco. (1) (2) Infelizmente do documento original não se conhece o destino e do cartógrafo português, apenas se conhece o nome que surge nos mapas que se editaram. (1) (2) Sebastiano di Re gravou-o e Michele Tramezzino fez uma versão reduzida, que foi impressa em Veneza e distribuída em Roma datada de 20 de Maio de 1561. Desde então, outros mapas são editados com maior conhecimento sobre o território português. (1) (2) 
A Bibliotheca Lusitana de Diogo Barbosa Machado (1759), a primeira obra de referência bibliográfica publicada em Portugal, revela-nos “matemático insigne, e famoso Geógrafo, de cuja ciência deu um manifesto argumento em o Mapa que fez do Reino de Portugal (…) ”. Qualquer outra informação sobre o artista Seco é desconhecida, no entanto, este mapa parece identificar as origens de Fernando Seco através da localização da dita quinta junto de Tomar com o nome de família. (3)
O que torna este elemento cartográfico ainda mais fascinante e dotado de mensagens subentendidas, é o facto de a sua orientação apresentar o oeste no topo, sendo “observado” de leste (Roma), onde Portugal surge na cabeça da Europa. “Guido Sforza: dedicamos-te, devido à proteção dispensada à nossa gente, a Lusitânia descrita pela arte de Fernando Álvares Seco…” Esta é uma frase de Estaço na dedicatória destinada ao cardeal Sforza. (1)
 De acordo com H. Gabriel Mendes, Fernando Seco o autor do mais antigo mapa impresso de Portugal, atendendo à época e aos meios que detinha, fez um trabalho notável e de admirar, com pormenores fabulosos da costa lusitana, fronteiras e locais. Mendes eleva Seco, comparando-o com outros grandes cartógrafos, revelando que o mapa não foi feito a pensar nos marinheiros mas sim para mostrar Portugal. (4) Dois pormenores no mapa identificam o autor, ao registar a “Quinta dos Secos” e a “Quinta Távora” pertencente à família do embaixador que foi a Roma. (1) Tudo indica que Fernando Álvares Seco terá assinalado no mapa as suas origens nabantinas, através do “solar” da sua família, de que nada se sabe, que surge escrito no mapa de 1561 da seguinte forma “Quita dos Secos”. Neste caso específico falta a letra “n”; o mesmo não acontece no mapa com “Quinta Távora”, não sendo possível perceber se há algum propósito. Outra questão que pode ser colocada em aberto refere-se ao local onde o mapa original foi criado. (5)
 Numa obra de nome Boletim do Centro de Estudos Geográficos (1964), surge a referência à Quinta dos Secos como “nome omisso”, ou seja, como não sendo já existente. (6) Esta hipótese, de termos um Fernando Álvares Seco nabantino, ganha peso quando falamos de Pedro Álvares Seco, que tudo indica ser natural de Tomar, descrito na obra de Diogo Barbosa Machado, como “celebre professor de Jurisprudência Cefaria, em cuja Faculdade recebeu o grau de Doutor na Universidade de Paris, donde restituiu a Portugal, foi do Conselho del Rey D. João III”. (3) 
Pedro Álvares Seco é autor de um conjunto de códices (após outros intelectuais da época terem falhado tal missão), a pedido e iniciada no reinado de D. João III e terminada no reinado de D. Sebastião, que constitui um dos principais núcleos documentais da Ordem de Cristo, sendo uma peça importante na compreensão da história desta instituição. Esta obra é notável pela sua grandeza e importância também ela na história de Tomar e de Portugal. (7) De acordo com Barbosa, o pedido para a criação desta obra data de 1552. (3) Outra questão que pode ser colocada em aberto refere-se a Fernando Álvares Seco poder ser Pedro Álvares Seco, possibilidade que requer uma investigação minuciosa, tomando em consideração os estudos universitários de Pedro e a nula existência de informação sobre Fernando. (3) (4) (5) (7) 
De forma genial, num capítulo do autor Frazão de Vasconcelos (1929), surge o estudo do mapa e da família Seco e é ele mesmo a afirmar que há a possibilidade de Fernando Álvares Seco e Pedro Álvares Seco serem irmãos. (8) Frazão destaca um documento do Santo Ofício que revela que Pedro Álvares Seco “devassou dos primeiros judeus de Tomar onde estava fazendo o Tombo da Ordem de Christo”. O autor faz esta aproximação a Tomar, mas não refere a naturalidade de Pedro, nem reparou ou omitiu a informação sobre a existência da “Quinta dos Secos” junto à Vila de Tomar no mapa de Fernando Álvares Seco. (5) (6) (8) 
Estamos perante a necessidade de uma nova fonte, que é possível consultar na base de dados da Universidade de Coimbra, onde por pesquisa, é possível chegar a Jorge Seco, filiação de Pedro Álvares Seco e com naturalidade tomarense. (9) Jorge Seco, natural de Tomar, foi vereador de Lisboa e quando a chegada dos Filipes, esteve ao serviço do rei de Espanha. Para além do que nos conta Frazão de Vasconcelos, cujo papel de Jorge Seco passava inclusive por se deslocar “aos lugares de África a respeito da guerra, justiça e fazenda”, numa obra da autoria de Rafael Valladares, surge a informação de que “en la localidad de Nabão, su verador Jorge Seco rogó a Filipe II que su «santisima bondade quisiese perdonar a todos los que en las alteraciones del reino, por temor o injustas razones y esperanzas»”. (9) (10) 
Estamos, como podemos verificar, perante uma família ligada às formalidades, riqueza intelectual e diplomacia, cujas raízes pertencem a Tomar. Na realidade a história do apelido da família Seco, diz-nos que descendem da família Sicó, que passou no século XV do Estado de Milão a Portugal, mais concretamente a Tomar. (11) Frazão refere-nos que Pedro Seco e Fernando Seco serão netos de um italiano, e de forma fascinante, mostrando a proximidade com a corte real portuguesa, a Rainha D. Catarina (da Casa de Habsburgo; esposa de D. João III) escreve numa carta que Pedro Seco se casou com uma criada sua. (8) Para além de toda esta informação enriquecedora ligada à história de Tomar, temos entre mãos perceber a localização da Quinta dos Secos. (5) A Biblioteca Nacional Portuguesa, mencionando que “do mapa manuscrito original não se conhece o paradeiro”, adquiriu há poucos anos, um exemplar do mapa de 1561. Os documentos podem ser visualizados através do site da Biblioteca Nacional Portuguesa, onde pode encontrar outro mais antigo de 1560 e dois posteriores de 1574 e 1606. (5) (12) 
De acordo com a localização apresentada no mapa de 1561, tomando o norte e o sul, a Quinta dos Secos está localizada a sudeste de Tomar, sendo possível observar que Tomar, a Quinta dos Secos e, mais distanciada, Vila de Rei se encontram no mesmo encadeamento. Para além de tal, neste mesmo mapa surge o desenho de um conjunto de uma torre com outro elemento menor no local da quinta tomarense, o mesmo acontece na Quinta Távora que já referi anteriormente. Estes elementos relevantes não surgem, por exemplo, em Ourém ou Abrantes que são apenas localizados no documento. (5) Utilizando um mapa atualizado, assim como, o Google Maps, é facilmente observável que há imprecisões, dado que Vila de Rei não se encontra a sudeste de Tomar, mas sim a nordeste, o que nos leva a interpretar que a Quinta dos Secos ficará algures entre a Serra de Tomar e as Olalhas. (5) (13) 
O primeiro passo, nesta procura, foi determinar se o nome da quinta ainda está presente em obras históricas da região de Tomar, o que não se confirmou nos trabalhos consultados. O segundo passo, correspondeu em verificar se a geografia atual detém algum termo que possa indicar a possível localização da quinta, tal surgiu como afirmativo. (13)
Perto da Serra de Tomar, no Outeiro da Barreira, a toponímia Seco e Sicó estão presentes, o que pode assinalar a antiga presença da quinta na região e a localização desta zona faz sentido comparando com o mapa de 1561, no que se refere à Quinta dos Secos. Esta leitura é feita com o auxílio da localização de Vila de Rei, que pode ter sido igualmente o ponto de orientação do cartógrafo Fernando Álvares Seco para localizar a sua quinta de família no mapa, cuja atual sinalização requer estudos pormenorizados. (5) (11) (13) 
Estamos perante uma quinta que existiu há aproximadamente quinhentos anos, que merece a sua redescoberta e cujo nome, pertence a uma notável ilustre família tomarense, ligada à criação escrita de obras da Ordem de Cristo, cartografia e negócios de estado com cargos de elevada importância para o reino como foi o caso de Fernando Álvares Seco, Pedro Álvares Seco e Jorge Seco. (1) (3) (4) (8) (12)
Para dar continuidade a esta relevante visão e importante informação para a valorização da história de Tomar, contactei o estudioso arqueólogo nabantino Carlos Batata, autor de diversas investigações e cartas arqueológicas, que logo demonstrou interesse por este assunto. (14)

Bibliografia:
  1. Revista da Faculdade de Letras - HISTÓRIA - Porto, III Série, vol. 11, - 2010, pp. 363-368
  2. Berbera, Maria; Enenkel, Karl A. Portuguese Humanism and the Republic of letters. Brill. Boston. 2012.
  3. Machado, Diogo Barbosa. Biblioteca Lusitana, Volume 3. Lisboa. 1759.
  4. Mendes, H. Gabriel. Lucas Janzs Waghenaer e o conhecimento náutico das costas de Portugal no século XVI. Revista da Universidade de Coimbra. 1969.
  5. http://purl.pt/index/geral/aut/pt/46822.html
  6. Boletim Centro de Estudos Geográficos Nº12 e 13. Universidade de Coimbra. 1964.
  7. Lusitana Sacra 2ª Série, Tomo XXII. O Papado de Avinhão nos Reinos do Ocidente. Centro de Estudos de História Religiosa: Universidade Católica. 2010.
  8. Vasconcelos, Frazão. O primeiro mapa impresso de Portugal. Arqueologia e História, Volumes VII e VIII. Associação dos Arqueólogos Portugueses. Lisboa. 1929.
  9. http://pesquisa.auc.uc.pt/
  10. Valladares, Rafael. La conquista de Lisboa: violencia militar e comunidade en Portugal, 1578-1583. Marcial Pons Historia. 2008.
  11. Sousa, Manuel. As origens das famílias portuguesas. Oro Faber. 2001.
  12. http://www.bnportugal.pt/
  13. https://www.google.pt/maps
  14. Batata, Carlos. As Origens de Tomar: Carta Arqueológica do Concelho. Centro de Estudos e Proteção do Património da Região de Tomar. Tomar. 1997.

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