Mistérios de Santa Iria, Parte 2 – Memória dos NOMES

in Jornal Cidade de Tomar 8 de Junho

Há um artigo notável escrito pelo histórico arqueólogo português Dr. José Leite de Vasconcelos publicado na Revista O Arqueólogo Português em 1914, denominado “Antiguidades de Tomar”. Nele conta achados arqueológicos relembrando Nabância. Identifica a obra o Breviarium da Igreja de Braga impresso em 1494, da qual existe um exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa, como sendo aquela que se refere a Nabância pela primeira vez, local do martírio de Santa Iria. De acordo com esta obra, no século VII (653 d.C.) Castinaldi e a sua esposa Casie governavam Nabância (“qui principabantur apud NABANTIAM”) onde habitavam junto a uma torrente chamada Effon, que o Dr. Vasconcelos refere “que deve corresponder ao Nabão”. 
E assim se abre um bom tema de conversa, questionando se Effon corresponde realmente ao rio Nabão ou se afinal de contas seria a designação de outro leito da região.
Para uma melhor compreensão desta denominação devemo-nos debruçar noutra obra “Flos Sanctorum” cuja primeira edição é de 1513. Esta mesma obra é abordada em 2011 pelo grupo Círculo de Estudos de Thomar – CETHOMAR no seu site (www.cethomar.blogspot.pt) que evidencia que a mesma “acrescenta à lenda a localização do martírio ao dizer-nos que Santa Iria estava em oração “acerca da ribeira do rio” quando foi surpreendida pelo perverso Banãm”. 
Fiz a minha pesquisa e consegui aceder à obra Flos Sanctorum de 1513 e, tal como o CETHOMAR tinha informado no seu estudo, as primeiras páginas referentes à Lenda de Santa Iria não estão presentes, mas nas páginas que restam “De Sancta eyra virgem.”; confere, o nome de Banã ou Banãm é o nome do assassino de Santa Iria de acordo com esta obra, que foi ordenado “que a matasse secretamente e a lançasse no ryo” por ordem de “Britaldo”. Infelizmente nas primeiras páginas da lenda poderiam estar as referências a Effon
De forma complementar, num outro livro, de 1609, do Frei Bernardo de Brito no capítulo que assinala “Da vida y martirio de Santa Iria, ou Erea (…)” refere que Iria foi “entregue a duas tias suas irmãs de seu pai Hermigio chamadas Casta e Iulia que viviam num mosteiro de religiosas fundado junto ao rio Nabão” e aqui surge na lenda o “(…) Abbade Selio irmão de sua mãy, que vivia em um mosteiro dedicado em louvor da Virgem Maria Senhora nossa, fundado junto a um pequeno rio, que acima de Tomar se mete no Nabão, chamado naquele tempo Effon, que tanto significa vulgar como coisa nascida sem fonte, porque deste modo nasce este mesmo rio (…)” 
Temos aqui uma referência a Effon como sendo um rio secundário, portanto uma ribeira que desagua no Nabão, junto ao mosteiro do abade Sélio. O que permite situar Effon em Tomar, parecendo difícil situá-lo noutra região. Este mosteiro pode corresponder ao mosteiro dos frades negrados Santa Maria do Selho ou Santa Maria de Tomar e é situado onde hoje temos a Igreja de Santa Maria do Olival, sendo que o pequeno rio Effon deverá corresponder ao antigo Ribeiro das Canas, hoje desconhecido mas ainda presente na memória popular. 
A obra de Bernardo de Brito, a Monarquia Lusitana – LIVRO SEXTO de 1609, confirma os nomes de “Britaldo filho de Castinaldo e Casia”, como os nobres “no lugar de Nabancia” onde “tinham os seus paços”. Pela descrição, considerando a veracidade da lenda, supondo a existência e nobreza dos mesmos, consideraria que o também nobre local do Fórum Romano poderia ser um espaço de eleição de reedificação da nobreza suevo-visigoda que sucedeu os romanos na zona de Santa Maria do Olival. Falta-nos aqui um pormenor importante, de pura curiosidade, voltando à obra Flos Sanctorum de 1513, de onde retirei que a “Virgen” “(…) estava acerca da ribeira do rio orando dando louvores (…)” e descreve o assassinato em que Banãmpondo-lhe um pano na boca” terá cometido o crime “a degola” e após “aquele o lançou o seu corpo no ryo de nabani”; “o que a levou ao zezere. do zezere ao tejo”. O que permite perceber, que de acordo com esta obra, Iria estaria junto à ribeira mas foi lançada ao rio. Importante aqui dar relevância a esta “ribeira do rio” que não deverá corresponder a Effon, situada junto do mosteiro de Sélio, mas sim à nascente onde hoje se encontra o Convento de Santa Iria, local popularmente assinalado como o local do martírio. 
Como já tinha referido na Parte 1, naquele local onde Santa Iria foi martirizada há uma nascente, no entanto, no tempo da lenda poderia ser um leito de maiores dimensões, tal como nos transmite a Flos Sanctorum de 1513 “ribeira do rio”. 
Percepcionamos assim, que uma lenda nos dá valores culturais, históricos e de património enormes que merecem maior destaque e atenção principalmente no que toca ao nosso ADN Nabantino.

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