Crónica Feitos&Feitios de João Amendoeira Peixoto in Jornal Cidade de Tomar de 31 de Maio de 2019
"MÁS LÍNGUAS,
BRUXARIA E A PAIXÃO DE BEATRIZ COSTA"
Inéditos
sobre Fernando Pessoa: As Crónicas de Francisco Peixoto Bourbon para
o Jornal Cidade de Tomar – Parte 4
Peixoto Bourbon antigo
colaborador do Jornal Cidade de Tomar nos anos 80, próximo de
Fernando Pessoa nos seus últimos anos de vida, expressa toda a sua
admiração pelo poeta português:
“E na verdade, além
da sua vastíssima cultura era, sem sombra de dúvidas, um dos
espíritos mais lúcidos e mais penetrante que me foi dado conhecer e
tive a dita de privar, com certa intimidade, com pessoas de rara
craveira intelectual como: um Dr. Eugénio de Castro, um Alfredo
Pimenta, um Hipólito Raposo, um Almeida Braga, um Afonso Lucas, etc,
etc…”
Recorda
de forma incortonável os demais com que lidava nas tertúlias
pessoanas no Café Montanha em Lisboa, mas relembra igualmente
outros como é o caso do Doutor Araújo Serrão, que "nem
nunca foi um frequentador de tertúlias". (1)
De
acordo com Bourbon, o Doutor Alfredo Serrão dizia a propósito de
Fernando Pessoa, que tinha "pena que tão prodigioso homem
tivesse sido educado na África do Sul e não em Campolide ou noutro
qualquer colégio de Jesuítas, pois o ensino britânico conseguiu
inocular-lhe um anti-clericalismo” “dificilimente corrigível e
que muito o apoucam e diminuem”. (2)
De
acordo com Peixoto Bourbon na mesma conversa participava o Doutor
Mário de Saa, que afirmava “tem toda a razão o Dr. Serrão,
mas o mais grave é, quanto a mim, a mania que tem de rosa-crusismo,
dos estudos teosóficos e esotéricos eu chamo-lhe o bruxo.”. Mas
que no entanto, apesar destes piropos "o Dr. Mário de
Saa nutria a maior amizade, estima e consideração por Fernando
Pessoa e foi um dos que sentiu mais profundamente a sua morte, ao
ponto, segundo confidenciou, de ter estado doente.” (2)
(3)
Através de um conhecido
chamado Rosado Camões, próximo ao Doutor Saa, Bourbon soube que
este ofereceu em vida um anel “muito curioso” de ouro
batido e com umas inscrições indecifráveis mas que se julgavam de
cabalista judaica. Ainda através de Rosado Camões com quem se
encontrava frequentemente no Café Paladium, Peixoto Bourbon
teve a confirmação de vários factos como a actriz Beatriz Costa
ter estado apaixonada pelo Doutor Mário de Saa, que também lhe
retribuía a afeição existindo “a mais profunda estima e
amizade” entre ambos. (2)
(3)
Conta Bourbon que uma
vez, numa das propriedade em Aviz do Dr. Mário de Saa assentou
arraiais um grupo de ciganos e perante a indignação do Dr. Mário
de Saa o cigano batia desalmadamente, a um dos seus filhos a quem o
Dr. Mário estava a orientar no ensino da língua francesa a título
gratuito; um dia não concordando com trato, o Dr. Saa repreendeu o
cigano alertando-o que poderia matar a criança à “porrada”. O
cigano retorquiu “dar não lha dou mas vendo-lha por quinhentos
escudos.” O Dr. Mário de Saa entregou a quantia e ficou a seu
cargo com a criança. Um certo dia, segundo Bourbon, apareceu no Café
Chiado com o rapaz, o que levou alguns a pensar que seria um filho
ilegítimo e para desfazer as dúvidas contou o sucedido. (2)
(3)
Nesta altura o Doutor Saa
pedia alguns conselhos sobre plantações a Bourbon, tendo uma vez
confidenciado que aqueles quinhentos escudos lhe fizeram falta para
comprar oliveiras, pois tinha já as covas abertas para plantação.
(2) (3)
“Era assim o Dr.
Mário de Sá e Fernando Pessoa sabia-o e muito o apreciava e grande
consideração tinha por ele. De uma vez Fernando Pessoa declarou-me
ser o Dr. Mário de Sá um dos espíritos mais curiosos que conhecia
e sobretudo muito original, apreciando, por vezes, os problemas por
uma faceta que ninguém se lembraria de encarar. E acrescentava: é,
acima de tudo, um estudioso e nem sei onde arranja tempo para levar a
efeito as suas investigações históricas. E sorrindo dizia: ele
chama-me bruxo e que passo as noites em claro, por certo a fazer
bruxarias, mas só com muitas vigílias é que o Dr. Mário de Sá
conseguiu adquirir a bagagem que tem e que é simplesmente
surpreendente e invulgar nos portugueses, sempre dispersivos e pouco
dados à investigação.” (…) “É uma pessoa surpreendente e
com quem dá gosto conviver e falar.” (2)
(3)
Por
outro lado, Bourbon revela que Fernando Pessoa não tinha nenhuma
pequena consideração por Almada Negreiros quer como escritor quer
como artista, tendo inclusive uma vez questionado sobre no que ele
seria pior, o que contradiz com a estima que hoje se tem pela obra de
Almada Negreiros, “não deixa de ser curioso registar a opinião
de Fernando Pessoa” tal como nos revela Peixoto Bourbon. (2)
(3)
(CONTINUA)
Bibliografia:
- Bourbon, Francisco Peixoto. A abusiva apropriação de Fernando Pessoa. Jornal Cidade de Tomar IV. 03/04/1980.
- Bourbon, Francisco Peixoto. A abusiva apropriação de Fernando Pessoa. Jornal Cidade de Tomar V. 24/04/1980.
- Peixoto, João Amendoeira. Inéditos sobre Fernando Pessoa - Parte 3: Incontestávelmente Superior. Jornal Cidade de Tomar. 26/04/2019.
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