Mistérios de Santa Iria - Parte 4: Dois Enigmas

in Jornal Cidade de Tomar, 28 de Dezembro de 2018.


Dois assuntos praticamente desconhecidos para os nabantinos e estudiosos destes meios, surgem aqui hoje nesta edição do Jornal Cidade de Tomar. Talvez inéditos.
O Sinete de Santa Iria, peça da qual desconhecia a existência surge assinalada e descrita na obra do padre António Carvalho da Costa, o tomo III da Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal de 1712.
Quando se refere ao Mosteiro de Santa Iria, diz do local do martírio “ficando-lhe a fonte, aonde foi degolada” e de que dentro do monumento estão as pedras “salpicadas com sangue e fazem muitos milagres”. Tema este que já abordei no Jornal Cidade de Tomar de 23 de Março, na Parte I denominada “As Pedras Sagradas”, disponível em www.joaoamendoeira.com
Este outro assunto de elevada importância é a descrição de uma antiga relíquia, um sinete que conta a história de Santa Iria: “honrando o escudo das suas armas com a pintura desta admirável história e adornando o sinete antigo do Senado da Câmara deste modo: O campo redondo e dividido com uma Cruz em quatro quartéis: nо primeiro da mão direita (está) Britaldo com vestido roçagante; e uma insígnia na mão como bastão, ou cetro; no segundo, o soldado, que degolou a Santa, chamado Banão, com um punhal e uma árvore; no terceiro um castelo; no quarto a Santa Virgem degolada caindo ao rio.”
De acordo com o padre António a orla deste sinete contém as letras que se seguem: “Sigillum Concilij Tomery Ordinis militia Chrifti” seguida da cruz da Ordem de Cristo.
Várias são as questões em torno deste Sinete, sugiro olhar para a questão do surgimento do elemento “Castelo” no objeto, pois na lenda não surge nenhum nem tão pouco há registo da existência de um senão após a chegada dos Templários.
No entanto, revelo um autor do passado que defende a existência de um castelo em Tomar, muito antes da chegada dos Templários.
Na obra Monarchia Lusitana de 1632, da autoria do Freire António Brandão, é dedicado um capítulo ao Castelo de Herena, provando ele mesmo que este não se refere ao presente castelo de Leiria, pois ambos surgem em datas distintas, mas que, no entanto, a notícia da “História do Godos declara como no ano do senhor de 1137 aconteceu uma grande desgraça ao Cristãos em Tomar”, lembrando eu que este Tomar se refere ao rio, segundo o Freire Brandão acontece no mesmo ano referido pelo “Bispo de Tuy”, que menciona a tomada do Castelo de Herena “por quanto não sabemos de outro Castello fronteiro a Santarém em que se possa verificar o que diz aquelle Auctor”. Este é um facto coincidente a assinalar para além dos termos.
Este pensamento do conceituado Frei Brandão é suportado da seguinte forma: “E quanto a se chamar Herena o que hoje se chama Tomar se pode dizer se faria alusão ao nome de Santa Eyria a qual em Latim se diz Herena & padecendo antigamente martyrio nesta terra credível”.
Brandão continua: “O Castelo de Tomar se foi em este tempo entrado pelos Mouros se restaurou despois & fez tão forte & de excelente fabrica que pôde muito bem defendido pelo esforço dos Cavaleiros Templários fazer resistência ao poder todo junto do Emperador de Marrocos & à multidão de Árabes de Africa & Espanha quando em o ano de mil & cento & noventa lhe vieram pôr cerco reinando em Portugal Dom Sancho o Primeiro como bem testifica hum letreiro da mesma fortaleza feito com lembrança de caso tão insigne o qual tresladarei em seu lugar próprio mostrando fazer alusão ao tempo referido & não ao del Rey Dom Afonso Henriques como erradamente alguns imaginarão.”
Considero que esta posição de Brandão não tira em nada a fundação de Tomar aos Templários, como é sabido deram o nome do Rio Tomar ao castelo e depois à vila, no entanto, é inédita esta nova visão de uma presença árabe fortificada anterior à chegada dos Templários.
Curiosamente a antiga porta principal do Castelo de Tomar, conhecida como a porta do sangue, denomina-se de Almedina, palavra de origem árabe que significa cidade.

Imagem: São Bernardo in Monarchia Lusitana

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