Introdução e adaptação do Discurso de Máximo de Pina

in Jornal Cidade de Tomar de 30 de Março de 2018.

Fotografia de Paulo Peixoto

Encontrei por terras bretãs o"Discurso de Máximo de Pina em 1600 sobre se fazer navegável o Rio Nabão" é um texto original com 418 anos, escrito por um nabantino e publicado em julho de 1815 na revista “O Investigador Portuguez em Inglaterra” em Londres. Mantendo a sua estrutura original, ele é aqui novamente publicado no Jornal Cidade Tomar em 2018, com alguns ajustes linguísticos e adendas para melhor entendimento. Um agradecimento especial à pessoa que enviou este texto para Londres em 1815, talvez salvando-o dos invasores franceses e do esquecimento, permitindo a sua redescoberta e retorno à terra quatro séculos depois. O Discurso de Máximo de Pina demonstra ter por objetivo aconselhar a realização de melhoramentos ao longo de todo o Rio Nabão, assim como, a construção de novas infraestruturas que tornam mais proveitosa a economia local e o bem-estar da população tomarense : “o povo ficará melhor servido, e acomodado”. Nestas construções específicas, Máximo de Pina sugere igualmente que se construam engenhos como os seus, por si inventados: “podem moer em todo o dia e noite duzentos e dez alqueires, e só dois moinhos dos meus moerão mil”; e tudo isto olhando a despesas: “Donde consta, que com pouca despesa, com proveito das partes, pode ficar a Vila melhor servida, e ilustrada, e feita, a navegação até à Fonte de S. Lourenço”.
Há aqui igualmente uma outra memória guardada quando Máximo de Pina se refere à importância da plantação da Batata, recordando que o seu pai (Fernão de Pina) apresentou este tubérculo vindo das Américas à rainha: “Batatas que meu Pai mandou de Alvez á Rainha (…)”
Este discurso acusa a quem se refere, neste caso a sua majestade, tal como Pina o demonstra:
“ (…) pode S. M. ter pertençam porque tenho ouvido que em Castela concedeu o P. Santo por semelhante beneficio (…)”
A visão do culto e génio Máximo de Pina é aqui em fruto de conclusão expressa: “Havendo muitos lagares serão melhores os azeites, (…) e muito que dura na terra, a muita bondade, e por não trazer sementes, (…) O mesmo fazem os tremoçais; e também se estercarão estas terras com as enxurradas que vem sobre pó (…) Enobrece-se Thomar, dá-se aos vizinhos grande comodidade de menor custo em seus serviços, enriquece-se, e pela mesma razão povoa-se mais; e assim se farão em muita parte de Portugal, e Espanha.”
A visão deste nabantino deve adaptar-se aos olhos do presente, porque é através da inovação e da criação de indústria que se criam mais empregos, que se aumenta a população e se enriquece toda a região melhorando a qualidade de vida da mesma. E assim se redescobre o génio de Máximo de Pina, assim como, se eleva a importância do Nabão que merece maior cuidado.
A biografia detalhada deste senhor será publicada numa próxima edição deste jornal.

Discurso de Máximo de Pina em 1600 sobre se fazer navegável o Rio Nabão.
De Tomar a Tancos são três léguas que se andam por terra por falta de se navegar légua e meia do Rio de Tomar até entrar no Zêzere; por que o Zêzere de inverno é navegável desde Punhete, onde se mete no Tejo, até à foz do rio que é uma légua; e de Verão se navega quase tão bem como o Tejo, e os passos que tem dificuldade, continuando-se a navegação, se podem fazer milhares que os do Tejo há pouco custo.
A Tomar pode ir ter quase toda a carga, que vai a Tancos, por ser a estrada principal donde lhe vem, e na Vila há Azeites, e algum Pão, muitas Pedreiras e boas, que se vê por toda a Ourela do Tejo até esta cidade. A dificuldade se apresenta na légua de Tomar à minha quinta de Matrena, e principalmente na meia da quinta à foz. As perdas notáveis que se podem considerar são os Moinhos, e lagares de Tomar a largura da levada até a Guerreira, os Moinhos, e lagar de António de Abreu, o Caseiros dos Padres de Sta. Cita, os meus moinhos, lagar, pisões, e nora que movo com a água, e o meu Caneiro (pequeno canal para escoar águas), e um de Jerónimo Rodrigues, outro de António Vaz: mas o remédio de alguma destas perdas se vê na ordem de navegar, outras se podem pagar com pouco preço. Acima de Tomar, tanto como do Chafariz de Andaluz à Ribeira, sobre pedra, e com muita que pende do monte, que está à vista, se fará uma preza (repreza), da qual no Verão vai todo o Rio por uma levada, e sem artificio conhecido, não entre no Inverno mais da necessária: esta levada irá ter à Várzea pequena, onde fará moer um assento de Moinhos, igual ao que ora mói ao pé da Ponte. Depois de sair deles a água, se tomara dela a sexta parte, e com as cinco partes moerão mais lagares do que agora estão ao pé da Ponte. A sexta parte, que se havia de tomar, irá pelo pé da costa, e depois de dar na Várzea grande fará álveo (leito da corrente) bastante para se navegar até á fonte que está a S. Lourenço; e desta mesma sexta parte se tirará a água necessária para fazer um cano por cada lado da rua que desse ao Rio, do qual se regue os quintais todos, e se servirão os vizinhos; e o resto se torne a vazar nas moendas (moenda = peça que mói; moinhos), e pode tornar-se também abastante para regar o que parecer da Várzea grande.
Os Ppes- do Convento de Thomar (Frades) desejam fazer mais lagares, pela falta que deles há, e por se anteciparem as pessoas que alegam esta causa para pedirem licença para os fazerem, por esta razão haverão por bem empregado o gasto da primeira preza (repreza), e levada, até os fazer na Várzea pequena; e não faltarão particulares, que desejem o mesmo; o povo ficará melhor servido, e acomodado.
A ainda que se não fizera este assento novo, só com os lagares moerem de noite e de dia, como em toda a parte do Reino, o que não fazem em Thomar, senão de dia, se recupera a perda do sexta parte da água, mormente que os lagares moem de inverno quando a água sobeja.
Nos moinhos de pão se pode fazer na queda, que se perde antes de moerem, um assento de Azanhas, que moam tanto como os que moem agora, descontando-lhes a sexta parte da água que se há de tirar na Várzea pequena, e não toda; porque a do serviço ordinário em fim se leva em cântaros, e a que sobeja dos quintais, torna aos moinhos; e da navegação só quando entrarem, e saírem os barcos se perde; porque como no mais tempo, há de estagnar, torna também dos moinhos, e se em cada um destes assentos fizerem dois moinhos de regolfo, como os meus; se acrescerem mais moinhos, ficará muito maior o expediente das farinhas; porque sete pedras ordinárias que podem moer com o rio de Thomar, á trinta alqueires por pedra, podem moer em todo o dia e noite duzentos e dez alqueires, e só dois moinhos dos meus moerão mil. Donde consta, que com pouca despesa, com proveito das partes, pode ficar a Vila melhor servida, e ilustrada, e feita, a navegação até á Fonte de S. Lourenço; por que também particulares farão ao longo de toda a Várzea, a levada para os barcos, dando-se-lhes chãos para casas, e quintais regados; e só ficará por fazer de padrão a padrão, e o sítio para a subida dos barcos a S. Lourenço. Junto ao padrão do dito Santo pelo ribeiro que lhe fica ao lado, se pode tornar a tomar todo o rio com outra preza, e levá-lo pela estrada abaixo, tomando para os barcos dezasseis palmos, e deixando para a estrada bastante, e o necessário, e entrando pelas testadas alheias, devem seus donos satisfazer-se com o comodo de se averem (terem) de regar suas terras: há de ter esta levada, até quatro sítios de comportas, ou apartadas, se quiserem nelas fazer moendas, ou antes na paragem de Ponte da Guerreira, por que assim se regará mais terra. Ao ribeiro que vem de Sta. Maria dos Olivais, se deve tomar uma parte do rio, e leva-la pela banda de além do rio para efeito de se regar, como por estoutra parte. Nesta légua de terra se poderão bem regar três mil jeiras (jeira= terreno que uma junta de bois pode lavrar num dia) de terra de alqueires de trigo de semeadura, e se obrigarem os donos a vende-las por mais a terça parte, ganhar-se-á a metade pela melhor valia dos regadios; e obrigando-os a regar, e vendendo-lhes a água para cada jeira a três cruzados de foro por ano, parece preço moderado, e monta cada ano nove mil cruzados. Estas terras regadas dão quatro novidades cada ano, e quase sempre perfeitas, e certas; a saber — Ferranha, Linho, Nabos, ou outras que se semeiam, em lugar de cada uma destas. Podem-se também dar outras coisas mais rendosas, como são Canas-de-açúcar, Batatas que meu Pai mandou de Alvez á Rainha, de nove arráteis, Algodão, Gerzelim, Erva-doce, e criar-se-ão muitos gados com as mondas continuas.
As oliveiras, que ficarem rasas nas terras assim cultivadas, como afirma um autor Espanhol, podem dar novidade cada ano maior, e de mais fundição, e apanhadas com barco à espanhola pode-se-lhe recolher os frutos sem dano da árvore, e com a mesma pressa que se agora apanha, varejando, e sem danar o que estiver semeado debaixo. E ainda que não sejam mais que as quatro novidades ordinárias, como aquela terra paga dizimo, e oitavo, e a oitava parte da nona que fica por oitavar; a terra, que em um ano costuma a dar cem alqueires de Pão, e paga dez de dízimo, regada dará quatro centos, e pagará de dízimo quarenta; e onde pagar onze de oitavo, regada pagará quarenta e quatro, que são sete partes e meia; mais não fatiando na quantidade que se fizer de hortas e boas frutas, onde, e nas coisas que nomeei, e nas sementes extraordinárias, e na vantagem que cada novidade regada terá, quantidade, e bondade; haverá ganho excessivo.
E quanto ao dízimo, e oitavo, no que de novo acrescer pode S. M. ter pertençam porque tenho ouvido que em Castela concedeu o P. Santo por semelhante beneficio os dízimos aos Reis, onde os mantimentos são menos necessários. E quando tudo houver de ser da ordem, com muita razão se deve fazer o gasto a sua custa, e ficarão os nove mil cruzados forros para S. M. Dos Olivais que se arrancarem, se farão infinitos novos, os quais se se puserem nos montes, tirando-lhes somente o mato, e não os lavrando, e fazendo-lhes regos ao livel, nesta forma farão melhor, e mais barato efeito que a lavoura, por que assim se umedecerão os montes, e as árvores terão neles vantagens, segundo tenho visto, porque se se lavram todos os anos, em poucos se desfazem em área que entope os rios, e desarreigam-se as árvores; e se se lavram de anos a anos, fazem no ano que lavram vir as raízes buscar a terra movida, e despois com a outra lavoura as danificam, cortando-as, o que se não entende nos baixos, onde por não fugir a terra se podem lavrar cada ano, sen dano das raízes. As três mil jeiras de terra levam de semeadura nove mil alqueires de pão, que, se se regarem, uns anos por outros, a dez alqueires por um, dão noventa mil; e regados levam de semeadura trinta e seis mil alqueires, que dão trezentos e sessenta mil, e monta o crescimento de dízimo, e oitavo cinquenta e oito mil alqueires. Havendo muitos lagares serão melhores os azeites, e haverá muita albufeira sem sal, para estercar as terras, que também tem comodidades de cal barata que pelo pouco que delia basta, e muito que dura na terra, a muita bondade, e por não trazer sementes, com que os outros estercos sujam as terras, é dos melhores. O mesmo fazem os tremoçais; e também se estercarão estas terras com as enxurradas que vem sobre pó, e com os nateiros da levada com barro na terra fraca, e área na forte: para tudo tem comodo aquela terra. Enobrece-se Thomar, dá-se aos vizinhos grande comodidade de menor custo em seus serviços, enriquece-se, e pela mesma razão povoa-se mais; e assim se farão em muita parte de Portugal, e Espanha, nesta matéria muito avantajados efeitos, e só ela terá de novo este crescimento, porque todas as outras nações que tiveram semelhantes comodidades, cuido que se logrão já delas.
Os regos das ruas de Thomar devem fazer os vizinhos em suas testadas, à sua custa. O lagar de António de Abreu no inverno terá pouca perda; nos moinhos será notável; a que tiver em ambos dira ele, e constará.
A vala dali até Thomar é de uma légua, quanto caiba um barco, e só terá uns recessos, ou voltas, onde se desviem os barcos uns dos outros: os que usam em valas podem saber o que isto custará em plano, e sem pedra.
Deitando-se a terra em valo para a parte de cima se tomarão as águas de inverno para se levarem a quatro regalos, onde se podem reduzir todas, e passar por baixo da levada com laje, que há na terra muitas, e boas, e feitas nestes sítios comportas, se se abrirem em certos tempos, correrá a água com fúria e limpar-se-á a levada. Por ser agora mansa, haverá nela muita carpa, e tecas, e amoreiras pelos lados.
Isto é o que me parece da navegação, e quantidade de regadio, e rendimentos dele até à Ponte da Guerreira, com declaração, que contas hão mister comunicadas, e feitas devagar, e as estimações das jeiras, comprimento, e descida, medidas, e vistas devagar, o que tudo me faltou, e tempo para mais larga narração; e farei, parecendo que leva isto caminho, e direi a ordem de navegar da minha quinta ao Zêzere fazendo noutra forma o mesmo efeito.




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