Crónica Feitos & Feitios de João Amendoeira Peixoto in Jornal Cidade de Tomar de 22 Março de 2019
Inéditos sobre Fernando Pessoa: As Crónicas de Francisco Peixoto
Bourbon para o Jornal Cidade de Tomar – Parte 1
Dou início a um novo
tema, que deverá arrastar-se por várias edições, resultante de
uma pesquisa algorítmica de algo tão simples como: Peixoto +
Fernando Pessoa, cujo resultado foi encontrar inesperadamente todo um
espólio literário nos arquivos do Jornal Cidade de Tomar, de
um colaborador que conheceu Fernando Pessoa nas tertúlias de Lisboa.
A coincidência é enorme mas resulta de um facto, o apelido
“Peixoto” a origem desta aproximação, em tom de brincadeira,
prevista ou não por Fernando Pessoa, não sabemos.
O poeta português foi
noticiado no Jornal Cidade de Tomar durante a década de 80,
pela mão de Francisco Peixoto Bourbon, que nos deixou um precioso
património escrito sobre o poeta português. (1)
Francisco Peixoto Bourbon
foi para Lisboa estudar agronomia em 1927, tendo conseguido aos 22
anos ser admitido como o benjamim da tertúlia do Café Montanha, na
Baixa de Lisboa, onde participavam Fernando Pessoa e outros confrades
das mais diversas lides artísticas e intelectuais. Bourbon
revela-nos que conheceu Pessoa nos seus últimos cinco anos de vida,
destacando a importância do Café Montanha na vida quotidiana do
poeta, que é habitualmente associado ao Café Martinho, às
Brasileiras do Chiado e do Rossio, ao Restaurante Irmãos Unidos e ao
Martinho da Arcada. (1) (2)
A ligação de Peixoto
Bourbon como colaborador do jornal tomarense resulta de uma conversa
com o Dr. Romualdo Mella, chefe de redação do Jornal Cidade de
Tomar em 1980, onde percebeu que seria dos poucos, ainda vivos,
que participou nas tertúlias pessoanas. (1)
Durante o ano de 1980,
Francisco Peixoto Bourbon publicou no Jornal Cidade de Tomar
um conjunto de crónicas com o título: “A abusiva apropriação
Esquerda da figura impar de Fernando Pessoa” igualmente
escrito, noutras vezes, doutras formas dentro deste contexto.
“Sucede que quando
Senhor Romualdo Mella andou em digressão pelo Norte do País e me
deu a subida honra de me visitar, palestramos longamente, como era
natural e em determinada altura já não sei bem a que propósito ou
despropósito, veio a talho de foice afirmar que devia de ser já dos
raros sobreviventes da Tertúlia de Fernando Pessoa que, com maior
pontualidade, se reunia no desaparecido Café Montanha (hoje Banco da
Agricultura). Na verdade quase todos os amigos que assiduamente a
frequentavam, deixaram de pertencer ao número dos vivos, o último
dos quais foi o Doutor Carlos Lobo de Oliveira. Citarei, a propósito,
que à Tertúlia compareciam com mais ou menos regularidade: Da Cunha
Dias, Dr. Mário de Sá, Engº Rogério Caldeira Santos (esse era o
mais assíduo), Palhares mas de tudo já dei relatos no Jornal
Ecos de Extremoz.” (1)
Pode-se considerar
naturalmente que o contexto inicial das suas crónicas são de cariz
político, no entanto, ao longo das mesmas percebe-se que este terá
sido apenas o abrir da janela para todo um conjunto de informações
sobre Fernando Pessoa, tal como aconteceu noutros jornais um pouco
por todo o país, para os quais Bourbon também escreveu, tendo
inclusive sido publicada uma obra recente sobre as crónicas
publicadas no Jornal de Estremoz pelo também nosso
colaborador. (1) (2)
Peixoto Bourbon inicia
por explicar que a pare do Doutor Manuel de Vasconcellos é dos
poucos ainda vivos participante nas tertúlias pessoanas, sendo
“admirador do insigne poeta, que teve a generosidade de me
distinguir com grandes provas de amizade”, diz que se sente
revoltado com “inexactidões e sandices que por forma leviana têm
sido escritas acerca de Fernando Pessoa."
Considera que “passou a
ser moda a esquerda, tentar apropriar-se, abusiva e dolorosamente, da
figura do poeta fazendo crer aos que não tiveram a dita de o
conhecer pessoalmente, que teria sido um percursor de determinadas
tendências hoje em voga.”. Considerando isto um “ultraje” para
com o poeta, que se considerava “um monárquico convicto” e “um
grande patriota”. (1)
Peixoto Bourbon realça:
“É certo que era um monárquico Manuelista, que desejava ver
instaurado no seu País uma monarquia Constitucional e liberal do
tipo inglês e que não nutria grandes simpatias pelo Integralismo
Lusitanos, tendo inclusive, atacado de forma feroz Afonso Lopes
Vieira.” (1)
Salvaguarda igualmente de
que Fernando Pessoa participou na revolta monárquica de Monsanto,
como agente de ligação entre a Junta Governativa do Reino, que
funcionava no Porto e as Juntas Militares ao Sul do País. “Fingia
encontrar-se, no Café Martinho da Arcada, nas arcadas do Terreiro do
Paço, com o Dr. Simeão Pinto de Mesquita que vinha do Porto no
rápido. Fernando Pessoa teve um dia a atenção de me narrar
aspectos desses encontros, (…)” (1)
Sobre a “abusiva
apropriação” pela esquerda, “de que Fernando Pessoa lhes
pertencia e que teria sido como uma espécie de percursor (…)
Acresce que Fernando Pessoa além do seu monarquismo nutria um
olímpico desprezo pelas esquerdas e pelo comunismo e
anarco-sindicalistas a que designava nada mais nada menos por
sub-gente.” (1)
Para além desta
contextualização política apresentada por Bourbon, este revela que
Fernando Pessoa tinha “a maior consideração e apreço pela
Maçonaria e confidenciando mesmo que era Rosa-Cruz mantinha a maior
da amizade com o Dr. Da Cunha Dias que era um feroz inimigo da
Maçonaria, considerando-se mesmo perseguido pela dita Sociedade
Secreta que teria agido neste particular com a mais ausência de
escrúpulos.” Fernando Pessoa não apenas mantinha a presença
deste elemento assim como lhe “tolerava azedas reprimendas
públicas”, tal como Peixoto Bourbon revela ter deixado escrito em
artigos para o Jornal de Extremoz. (1) (2)
O Dr. Alberto da Cunha
Dias (1886-1946), advogado, amigo próximo de Fernando Pessoa, sofria
de doença do fórum psiquiátrico tendo estado internado, no
entanto, era uma pessoa muito dinâmica intelectualmente tendo sempre
manifestado os seus pontos de vista publicamente quer em artigos,
livros como nas tertúlias em que participava. (3)
“E quanto mais reflito
sobre a verdadeira personalidade de Fernando Pessoa chego à
conclusão que foi um aristocrata por excelência e que, no fundo,
era um convicto defensor do regime aristocrata (o regime dos
melhores). (1)
Recordo-me como se fosse
hoje que no dia em que o Dr. Carlos Lobo de Oliveira lhe exibiu a
árvore genenalógica em que provava que Fernando Pessoa tinha uma
ascendência judaica, o insigne poeta ficou visivelmente contrariado
e por fim teve este desabafo "«preferia não a ter mas não é por
isso que me vou atirar ao Tejo»” (1)
Peixoto Bourbon salienta
que há um ponto “que assiste a razão à esquerda” para se
apropriar da imagem do poeta, que corresponde à “pouca simpatia”
que Pessoa nutria pelo Professor António de Oliveira Salazar. No
entanto, refere que esta tomada de posição “esta animosidade se
radicou mais” a partir do momento em que António Ferro, passou a
ter uma posição de destaque governativa, chegando Fernando Pessoa a
proclamá-lo numa tertúlia: «É o S. Paulo do Dr. Oliveira
Salazar.». (1)
“Ora, Fernando Pessoa
era visceral inimigo de António Ferro, com que jamais reatou
relações. (…) considerava-o um oportunista e um ambicioso”
destacando Bourbon, que esteve envolvido numa tentativa de atentado
que Pessoa sofreu no restaurante Irmãos Unidos, em que o poeta foi
avisado a tempo do que se ia suceder e escapou pela outra entrada do
estabelecimento, a que dava para a Praça da Figueira contrária à
entrada pelo Rossio. Indo de seguida refugiar-se em casa de um amigo
“escapando desta forma por uma unha negra a ter sido abatido como
outras figuras incómodas o foram no regime democrático.” (1)
Bourbon revela que quem
adorava contar esta história “era o saudoso Marquês de Penafiel,
de quem Fernando Pessoa era dilecto amigo”. (1)
Sendo Fernando Pessoa
“bastante religioso”, Peixoto Bourbon considera que por outro
lado o poeta era muito supersticioso “atribuindo grande importância
aos horóscopos”. (1)
(CONTINUA)
Bibliografia:
(1) Bourbon, Francisco
Peixoto. A abusiva apropriação Esquerda da figura impar de
Fernando Pessoa. Jornal Cidade de Tomar. 08/02/1980.
(2) Bourbon, Francisco
Peixoto. Evocando Fernando Pessoa. Edições Colibri. 2016.
(3) Barreto, José. O
Mago e o Louco: Fernando Pessoa e Alberto da Cunha Dias. Pessoa
Plural. 2012.
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