O
padre António Carvalho da Costa (1650-1715) deixou-nos um conjunto de obras de
elevado valor histórico, entre as quais
a Corografia Portuguesa e Descrição
Topográfica do Famoso Reino de Portugal (tomo III) dedicada à rainha D.
Maria Ana da Áustria esposa do rei D. João V, datada de 12 de Janeiro de 1712.
No seu interior está um capítulo inteiro
dedicado a Tomar, onde podemos encontrar pequenos tesouros, tal como uma
tradição tomarense bastante antiga, que já acontecia no reinado de D. João I.
Diz o autor que a tradição resultava do facto de a vila de Tomar ter “muita
nobreza e muitas casas de homens Fidalgos, Morgados ricos e Cavaleiros da Ordem
de Cristo”. Conta que aquele que quisesse casar devia montar um cavalo,
segurar uma lança e ir até ao castelo, levando consigo um alqueire de pão
cozido e um almude de vinho; o noivo
batia com a lança na porta e dizia: “Cavaleiro quero eu ser.” O Alcaide do
castelo, conhecendo a tradição, recolhia o pão e o vinho e livrava o noivo de
pagar o imposto “o oitavo”, podendo assim casar-se.
Nesta obra, o padre António Carvalho da
Costa fala-nos da origem da terra, escrevendo que muito antes da existência da
vila de Tomar, existia do lado nascente a povoação de Nabancia, bastante
populosa e do tempo de S. Iria, pelos anos de 653, entre outra informação
revela que haviam dois conventos da Ordem de S. Bento fundados por S. Fructuoso
Religioso e pelo Arcebispo de Braga pelos anos de 640. Um dos mosteiros
situava-se no mesmo local da Igreja de S. Maria do Olival, onde viviam naquele
tempo cerca de 44 religiosos, já o outro convento era destinado a religiosas,
no mesmo local junto ao rio onde o padre António situa o Mosteiro de Santa
Clara no seu tempo.
Em 1147 quando
D. Afonso Henriques foi tomar Santarém fez um voto a Deus relacionado com a
entrega destas terras aos Templários, em
1158 D. Gualdim Pais é eleito Mestre da Ordem dos Templários do Reino de Portugal.
Com a reclamação do Bispado de Lisboa por Santarém, houve conversações com
posterior concórdia entre as partes envolvidas. Desta forma, em Fevereiro de
1159 na presença do rei D. Afonso Henriques, os Templários concordaram ficar
com territórios entre os quais as terras desertas de Nabancia, sendo soberanos
das mesmas tanto no plano espiritual, como na forma de povoamento, assim como,
no plano temporal.
Na área de abrangência estava também
incluído o castelo de Ceras, que em ruínas foi descartado pelos Templários para
se sediarem e procurou-se uma nova localização, mais propriamente “pelas ruínas da antiga Nabancia, se
contentaram dele e assim no monte que lhe ficava da outra parte do rio para o
Ocidente, começaram a fundar o castelo em primeiro de março de 1160”.
É de elogiar o estilo inovador do padre
António Carvalho da Costa quando anuncia que esta é a primeira vez que um autor
refere a data correta da fundação do castelo pois os antigos escritores não
tiveram acesso ao “letreiro” que diz o seguinte: “EMCIXVIIJ Regnante
Alphonse illustrissime Rege Portugulis, Magister Galdinus Portugulensium
Militum Tempit, cum fratriùus suis, cœpit œdificare hoc Gastellum, nomine
Thomar, primo die Martij ; quod prœfatus Rex obtulit Deo, & militions
Templi.”
Neste tempo a vila cresceu para fora do
castelo, não no local de Nabancia mas do lado da fortaleza para que a população
pudesse fugir quando um ataque dos mouros.
O padre António aborda igualmente os
topónimos dentro dos seus conhecimentos, diz-nos que o termo “Thomár” foi
colocado à Vila e ao castelo pois o rio tinha este nome, sendo que no tempo dos
Visigodos e de Nabancia já se chamava Nabão, termo que foi mudado pelos mouros
para rio Thomar “que significa água doce
e clara como é a deste rio”. O autor assinala igualmente que vários são os
documentos que o comprovam quando fazem menção ao Rio Zêzere, ao Rio de Thomar
e à Ribeira da Beselga, dando dois exemplos que pessoalmente considero bastante
interessantes e que podem ser motivo de tertúlia: um referente ao documento de
Acipreste Julião Peres (Adventários Nº317) que vindo em viagem com o Arcebispo
de Toledo D. Bernardo identifica o topónimo Tomar,
que o padre António diz ser o rio e, junto dele, a Ermida de Santa Cita Virgem
(pois, de acordo com o autor, a Vila de Tomar encontra-se a légua e meia de
distância, daí ter que ser o nome do rio). A datação deste documento é de 1093,
e surge da seguinte forma: “Tomarium veni, ubi prope erat Templum Sanctoe Cito.
Virginis, & Martyris”. De destacar, também referenciado pelo padre António, que o Convento de S. Francisco em Tomar tem
ligações a Santa Cita, pelo facto de os religiosos franciscanos de Santa Cita
terem iniciado a sua construção em 1624.
O outro documento que o padre António
Carvalho da Costa apresenta é posterior e refere-se à crónica dos Godos que diz
ter sucedido um infortúnio no ano do Senhor de 1137 aos cristãos em Tomar,
informação que o padre António apresenta se tratar de uma batalha entre
esquadras dos mouros e dos cristãos “e pelejando uns com os outros, ficaram os
Cristão desbaratados e destruídos” junto do rio.
O padre António explica que toda a
informação que surgir, antes de 1160, em que mencionar o nome Tomar se está a
referir ao rio e não à vila.
Continua florindo o crescimento de Tomar
em gente, fortaleza e edifícios até 1190, ano em que o imperador de Marrocos
Aben-Joseph “com um formidável exército” atravessou o Algarve e o
Alentejo, destruindo toda a resistência que encontrava tendo inclusive tomado
Torres Novas, se dirigiu até ao Castelo de Tomar a 5 de Julho de 1190, “trazendo consigo quinhentos mil homens de pé
e quatrocentos mil de cavalo e lhe deu contínuos assaltos por espaço de seis
dias, aonde foi morta infinita gente, conservando ainda hoje a porta principal
do Castelo o nome da porta de Almedina, que é o mesmo que a porta do sangue,
pelo muito que se derramou naquele lugar”. De acordo com o padre António, o
imperador ao assistir a tal derramamento de sangue e à impossibilidade de tomar
o castelo decide levantar o cerco e contentou-se por destruir a vila e tudo o
que ficava fora da fortaleza. Ficou o letreiro para recordar a história, Tomar
foi reedificada “e desse tempo por diante
sempre foi crescendo em número de gente e grandeza de edifícios até chegar ao
ilustre, com que de presente se vê”.
(Continua)
in Jornal Cidade de Tomar; 7 de abril de 2017.
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