Feitos & Feitios - Parte II

(Continuação da descrição da obra Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal (tomo III)) in Jornal Cidade de Tomar - 28 de Abril de 2017.


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É então que o padre António Carvalho da Costa (1650-1715) descreve Tomar no seu tempo; diz que assenta numa planície, que do nascente é banhada pelo Nabão e no poente ampara o monte com a obra antiga dos Templários onde está o Real Convento dos Religiosos da Ordem de Cristo, fazendo o monte dois braços, um para norte e outro para sul, avizinhando-se cada um deles para o rio, que deixam duas estreitas entradas para a vila.
Pela parte sul há um formosíssimo rossio, que chamam Várzea Grande, que o padre António diz não saber de outro igual em todo o reino, tão grande e formoso tendo de circunferência um “bom quarto de légua a respeito de quatro mil e oitocentas e sessenta varas, que tem cada légua portuguesa”. Depois pela parte norte, chamam-lhe de Várzea Pequena, diz ser bastante “aprazível e deleitosa”, passando junto ao rio a estrada real que indo de Sacavém a Coimbra atravessa o reino. Faz uma curiosa imagem poética, que devemos transportar para o nosso tempo, quando o padre António Carvalho da Costa diz que o monte abraça a vila em forma de arco a quem o rio serve de corda, fazendo umas quebras nas quais se formam pequenos vales e outros tantos montes coroados de Ermidas e povoados de oliveiras que com o seu verde perpetuam uma contínua Primavera. Mostra-se maravilhado, contando que Tomar é bela, estando cercada de quintais, jardins e hortas que se regam com a água do rio. Apresenta três fontes, a Fonte da Relva, que não situa, a Fonte Nova na Várzea Pequena, a Fonte de S. Lourenço na entrada da vila, de forma curiosa o padre António revela-nos que “não se sabe desta água, porque as inundações do rio a tem pervertido”. É doce ler este pedaço de texto que se queixa de inundações em Tomar. O autor continua atribuindo o nome de outras fontes fora da vila, como a Fonte Quente, a Fonte do Marante, a Fonte do Cavaco de que nos revela que é uma água delgada e excelente, querendo talvez transmitir a sua leveza no paladar.
Ao Convento de Cristo, o rei D. Filipe fez chegar a água de Santo António dos Pegões por arcos de cantaria (Aqueduto dos Pegões).
Quanto ao nascimento do rio revela-nos que tem a sua origem está no olho de água que nasce na Serra de Ansião ou Monte Tapeio, no entanto, esta água apenas chega ao Nabão no inverno porque no verão é utilizada nos regadios, sendo que há outra nascente, a Fonte do Agroal no sítio que chamam a Pena da Águia junto da foz da Ribeira das Pias como o autor situa.
Já dentro da vila de Tomar identifica a presença de lagares de azeite e moinhos, importantes para o comércio da região, onde há uma ponte de pedra e duas de madeira para “serventia dos lagares”. Antes de entrar na vila, junto à Granja dos Frades da Ordem de Cristo, há uma ponte grandiosa de um só arco; e depois a sair de Tomar para sul, há a ponte das Ferrarias, onde antigamente se fundia ferro, mandada fazer por Aires de Quental (arquiteto da Ordem de Cristo no tempo de D. Manuel), que tem uma estátua sua junto à Ermida de S. Loureço, também obra sua.
O padre António continua a sua descrição do rio, destacando que se pescam nele barbos, bogas e bordalos de excelente sabor. Junto dele está o Mosteiro de Santa Iria, edificado no mesmo lugar do martírio “ficando-lhe a fonte, aonde foi degolada” e dentro do Mosteiro estão as pedras “salpicadas com sangue e fazem muitos milagres”. O autor elogia a adoração à padroeira da terra, fazendo a descrição de uma antiga relíquia (um sinete) da seguinte forma “honrando o escudo das suas armas com a pintura desta admirável história e adornando o sinete antigo do Senado da Camara deste modo: O campo redondo e dividido com uma Cruz em quatro quarteis: nо primeiro da mão direita (está) Britaldo com vestido roçagante; e uma insígnia na mão como bastão, ou cetro; no segundo, o soldado, que degolou a Santa, chamado Banão, com um punhal e uma árvore; no terceiro um castelo; no quarto a Santa Virgem degolada caindo ao rio.”
De acordo com o padre António a orla deste sinete contém as letras que se seguem: “Sigillum Concilij Tomery Ordinis militia Chrifti” seguida da cruz da Ordem de Cristo.
Esta informação sobre a existência deste sinete é preciosa, assim como, a descrição dos seus adornos em torno da lenda de Santa Iria que sugere a existência de um antigo castelo na época, que pertencendo ao contexto da antiga lenda não poderá ser o castelo de Tomar cuja fundação é posterior.
O padre António continua a sua descrição relatando que na fachada da casa da Câmara estão três escudos contendo: o Hábito de Cristo, as Quinas Reais e a Esfera do rei D. Manuel; e as mesmas insígnias surgem na frente da Igreja de S. João Batista. Existe igualmente na fachada da Câmara uma tarja verde com uma inscrição dedicada à padroeira Imaculada Conceição, da autoria de António de Sousa Macedo (diplomata natural do Porto; 1606-1682), tarjas semelhantes surgem noutras zonas de Tomar como na ponte principal da Várzea Pequena, da mesma forma, há cruzes de pedra e oratórios por toda a vila, assim como, situa e descreve o Padrão de D. Sebastião e o Padrão de D. João I.

(continua)


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