Pedro de Roure Pietra – O Lavrador que foi Presidente da Câmara de Tomar

in Jornal Cidade de Tomar de 17 de Novembro de 2017


Após a crónica sobre o púlpito de pedra, surgiu na busca literária um nome de “um patrício da villa de Tomar” de nome Pedro de Roure Pietra. (1)
O contexto é no mínimo misterioso, pois no jornal literário “O Panorama”, num artigo de 1843, é realizada uma descrição histórica sobre Tomar, onde consta informação recolhida de um documento da Ordem de Cristo presente na Torre do Tombo e da autoria de Pedro Álvares Seco (século XVI), no entanto, esta mesma documentação não foi permitida aceder aos autores do artigo, tendo estes recolhido a mesma junto de Pedro de Roure Pietra, que revelam ser um “patrício da villa de Thomar, que o leu e percorreu”. (1)
Procurei vislumbrar a sua ligação às revistas e jornais da sua época. O resultado é surpreendente, pois estamos perante um dos colaboradores da “Revista Universal Lisbonense”, igualmente com destaque para 1843 onde, entre militares e estadistas colaboradores, é apresentado como “Lavrador”. (2)
Desta forma estamos perante um tomarense do século XIX, com apelidos pouco portugueses, com ligações à imprensa, a profissão de lavrador, com acesso a documentos presentes na Torre do Tombo e, para além de tal, muito provavelmente com conhecimentos do latim.
O mistério adensa-se quando no livro “Thomar - Santa Iria” de 1927 da autoria do Dr. José Vieira Guimarães, o nome deste “patrício” surge na página quatro, numa situação em que a câmara municipal queria concorrer para um determinado serviço público “concedendo os Cipos romanos encontrados nesta localidade, e dos quais a câmara se acha de posse por lhe houverem sido oferecidos pelo cidadão Pedro de Roure Pietra”. (3)
Há um artigo excecional escrito pelo Pedro Pietra, na Revista Universal Lisbonense de 1844, onde o tema é a plantação de Beterraba, referindo que o melhor mês para a sua plantação é o de Março, de preferência em terrenos capazes para rega. A visão deste nabantino era a seguinte: “A província do Alentejo é a que julgo mais própria para a plantação da beterraba; e aquelas imensas planícies plantadas de beterraba parece-me que seriam uma honesta riqueza para o país.” Cuja visão era o fabrico de açúcar de beterraba, fazendo concorrência ao açúcar de cana; situação que Pedro Pietra diz acontecer em França no seu tempo devido a novos sistemas de fabrico.
Diz ele: “A Fabricação do açúcar indígena considero-a eu como o maior manancial de riquezas que poderia nascer hoje neste país.” (…) “Estou bem certo que esta minha ideia não agradará à maior parte da gente; mas é por causa do egoísmo que é natural nos portugueses de hoje, porque pouco instruídos em economia política, o que querem é achar o género barato, venha lá de onde vier.” (…) “Animar a indústria e a agricultura é por todos conhecido ser a única maneira possível para se tirar Portugal do empobrecimento e da miséria; é numa palavra abrir novas e inesgotáveis fontes de riqueza, que substituam as outras que tivemos e que estancaram por uma vez. O governo porém a quem isso cumpria, não cura de tal; e aos particulares que estão no caso de o poderem fazer, também tal não importará enquanto corroer as entranhas a este pobre país o cancro da agiotagem.” (4)
Este artigo foi escrito em Tomar a 18 de Janeiro de 1844 e transpira conhecimento, confiança intelectual, liberdade de expressão, liberalismo e espírito progressista.
O raro Volume II “História de Tomar” de Amorim Rosa, página 150, revela-nos que Pedro de Roure Pietra (1815-1874) “sucedeu na administração da Fábrica do Prado a seu Tio Francisco, por delegação de seu Pai; foi Vereador da Câmara de Tomar no biénio 1856-57, e seu Presidente em 1857.” De destacar que o seu irmão Henrique teve igualmente funções na fábrica e como Vereador da Câmara. (5)
Francisco de Roure, tio de Pedro Pietra, é o fundador da Fábrica do Prado, em conjunto com um amigo/sócio Luís de Sousa Melo e Mouga. Eis parte da informação enviada em carta a El-rei de Portugal: “Francisco de Roure, deseja fazer uma fábrica de papel; acha como sítio apropriado para a dita o local denominado o Prado, próximo do rio Nabão.” (1822)
Amorim Rosa explica-nos os motivos dos apelidos estrangeiros destes empreendedores; Francisco de Roure era filho de um irlandês católico chamado Pedro de Roure, que fugiu para França motivado pelas perseguições dos ingleses protestantes. Já em França casou com Maria Leonor Assolant, vindo depois a estabelecer-se em Lisboa. Francisco tinha uma irmã de nome Mariana, que se casou com um tal de Pedro Schiappa Pietra, de origem Genovesa, que se tornou o sucessor de Francisco como administrador da fábrica, assim como, se inteirava de outros negócios no Rio de Janeiro. Deste casamento resultaram quatro filhos entre os quais o Pedro de Roure Pietra e o Henrique. (5)
No ano da morte de Pedro Pietra (1874), a Fábrica do Prado empregava 173 operários, dos quais 71 eram homens e 102 mulheres, provenientes da Pedreira e dos Casais, tendo a 15 de Julho de 1875 sido vendida à Companhia do Papel do Prado. (5)
Considero que algures haverão mais documentos publicados e por publicar da autoria de Pedro de Roure Pietra, a sua dimensão intelectual adivinha tal situação.
A História de Tomar demonstra por ela mesma a sua riqueza, cheia de pormenores e recantos por limar e mostrar; há que aprender com ela, trabalhá-la e de muitas formas mostrá-la do presente para o futuro, pois a aprendizagem é transversal e para todos.


Bibliografia:

  1. Jornal O Panorama, Nº99. 1843.
  2. Revista Universal Lisbonense, Volume II. 1843.
  3. Guimarães, José Vieira. Thomar - Santa Iria. 1927.
  4. Revista Universal Lisbonense, Nº23. 1844.
  5. Rosa, Amorim. História de Tomar, Volume II. Assembleia Distrital de Santarém. 1982.

Comentários