OS CONDESTÁVEIS DE TOMAR

in Jornal Cidade de Tomar de 8 de Dezembro de 2017

Através de factos apresentados em crónicas anteriores, mantenho a posição de que Tomar é o centro estratégico militar de D. João I e de D. Nuno Álvares Pereira durante a crise de 1383-1385. Um assunto que por vezes é desviado ou cuidadosamente abordado refere-se à posição da Ordem de Cristo durante este período, opinião que se apresenta inconstante e por vezes divergente entre os autores e investigadores destes assuntos. 
 Tomar é a sede da Ordem de Cristo, sucessora da Ordem dos Templários; e através do estudo da vida do mestre da Ordem de Cristo D. Lopo Dias de Sousa (1359-1417) poderemos traçar um caminho de discussões. D. Lopo foi elevado a mestre da ordem muito novo, em 1373, é sobrinho da rainha D. Leonor e, como tal, primo direito da Infanta D. Beatriz que casou com o rei de Castela D. Juan, o pretendente ao trono lusitano. O mestre da Ordem de Cristo, numa primeira fase apoiou as intenções da Rainha Regente, a sua tia D. Leonor, provavelmente aconselhado, tendo inclusive acompanhado a sua prima D. Beatriz ao encontro com o rei D. Juan de Castela em Elvas (1383) na abordagem para o casamento real. (1) (2) 
 No entanto, a aclamação de D. João de Avis como rei de Portugal, terá criado instabilidade de opinião na Ordem de Cristo, apontando uma inclinação para uma causa nacional, o que faz sentido tendo em conta as ocorrências que se seguiram, onde Tomar é o ponto de partida de dois exércitos em 1384, com a intenção de “desocupar” as tropas invasoras de território nacional. (2)
 Na obra de Fernão Lopes, é possível perceber a tomada de posição do mestre da Ordem de Cristo por D. João de Avis, quando avançou sobre Ourém em 1384 que estava do lado castelhano, tendo feito prisioneiros familiares seus.

Estando o Mestre assim d´esta forma, aos onze dias do mês de julho chegou-lhe recado por certo recontamento, que o mestre de Cristo D. Lopo Dias de Sousa, não por força mas por consentimento de alguns moradores de Ourém, tomara a dita vila, que estava por Castela, e mantinha sua voz, e a possuía sob o senhorio do Mestre, do qual lugar foram tomados e presos dois filhos de João Afonso, conde de Barcelos, irmão da rainha D. Leonor, e todos os homens de armas que o dito conde tinha para guardar de ele, e ao Mestre” (3)

 O mestre da Ordem de Cristo voltou novamente, saindo de Tomar, a uma nova ofensiva no mês de novembro, mas que, no entanto, não teve tanto sucesso.

“No mês de Novembro D. Lopo Dias de Souza, da Villa de Thomar, e com ele D. Álvaro Gonçalves Camello, priol que chamavam Espirital, e Rodrigues Pereira, irmão de Nuno Álvares, e outros, e foram cercar Torres Vedras, levando consigo oitenta lanças e homens de pé e besteiros, e fez levar um engenho pequeno com que lhe mandava tirar às vezes alguns combatentes, que lhe pouco empecimento faziam.” (3)

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 Eis aqui um engenho curioso, que da forma como é descrito deveria ser algo de sofisticado para aquele tempo mas cujo uso e forma de funcionamento seriam ainda primordiais e complexos. Sugiro de que se trataria de uma bombarda, que se tratava de um canhão primitivo, constituído por uma chapa de aço forjada em formato tubular reforçada com cintas metálicas. 
 De acordo com Fernão Lopes, as tropas de D. Lopo mantiveram o cerco sobre Torres Vedras durante vários dias, onde Afonso Lopes Teixeira era o Alcaide. Em Santarém quando tomaram conhecimento do cerco, enviaram uma força castelhana que apanhou as tropas do cerco desprevenidas, tendo D. Lopo e os demais sido presos. Devo manifestar que Torres Vedras e Torres Novas são confundidas em diversas literaturas com bastante facilidade, neste caso, verifiquei, e o local da ocorrência foi mesmo Torres Vedras.
 D. Lopo Dias de Sousa ficou preso até após a Batalha de Aljubarrota, onde vários eram os portugueses que estariam do lado de Castela, no entanto, encontrei uma passagem que considero ser interessante, pela mão de Fernão Lopes, quando um tal de Pero Botelho, comendador mor de Cristo, oferece o seu cavalo ao Condestável.

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“O condestável por mandado d´el Rei se tornou contra a retaguarda de pé como estava, e por o grão trabalho que houveram não pôde ir tão depressa como ele queria, nem tinha besta em que fosse, e Pero Botelho, comendador mor de Cristo, vinha em cima de um bom cavalo, e como o viu o conde assim ir a pé, desceu-se do cavalo e deu-lho, e o conde lhe agradeceu muito por suas boas palavras, e cavalgou em ele e foi aos homens de pé que na retaguarda estavam e achou-os em muito grande perigo (…)”(3)

 Considero deliciosa a seguinte informação que se refere aos homens que vão na mesma barca para Ceuta, agora em 1415, momento que parece estar relacionado com tudo inclusive ao exército que saiu de Tomar em 1384, pois os homens estão relembrados juntos. Era como se Fernão Lopes desse um final feliz a uma recordação antiga:

“Ião com El Rei, depois dos infantes D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique (…) D. Fernando (…) o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, Álvaro Pereira, seu sobrinho, filho de Rodrigo Álvares Pereira, D. Lopo Dias de Sousa, (…) D. Álvaro Gonçalves Camello, Prior do Crato, João Rodrigues de Sá (…)” (4)

 Esta é a barca dos novos e dos velhos, trinta anos após Aljubarrota, onde diferentes gerações deram rumo áquilo que seria a Era dos Descobrimentos. De notar que o filho de Rodrigo Pereira, o mesmo de 1384, também marca presença, talvez no lugar do pai. São estes pormenores que atribui à crónica de D. Fernão Lopes ser de uma riqueza notável de génio e no que toca à história de Tomar, uma fonte de aprendizagem que merece outro destaque. 
Os Condestáveis de Tomar são eles D. Lopo Dias de Sousa, Rodrigo Álvares Pereira, Pero Botelho e Álvaro Gonçalves Camelo. Ficam aqui batizados. 

 Bibliografia: 

 (1) Sousa e Silva, Isabel. D. Lopo Dias, Mestre da Ordem de Cristo. População e Sociedade. Porto. 2015. 
 2) http://www.conventocristo.gov.pt/pt/index.php?s=white&pid=224 
 (3) Lopes, Fernão. Crónica de El-Rei D.João I. Volume II. Escriptorio. Lisboa. 1897. 
 (4) Silva, José Soares. Memórias para a História de Portugal. Volume III. 1732.

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