In Jornal Cidade de Tomar, 23 de Março de 2018.
Dou início a um novo tema sobre a nossa
padroeira Santa Iria, cujo objetivo principal corresponde a recolher, através
dos escritos antigos e achados terrenos, informações perdidas capazes de
recontar o que por vezes nos tira o negrume do esquecimento.
Não pareça estranho que um conjunto de
“pedras” com ligação à Lenda de Santa Iria tenham sido durante séculos um dos
motivos de visita a Tomar. E atualmente, as mesmas pedras, nem da sua
existência ou história se tem conhecimento.
A padroeira de Tomar, Santa Iria, possui
um enorme significado religioso para todos os tomarenses e para aqueles que
conhecem a sua lenda e atribuem o motivo de vários topónimos nacionais, tal
como é o caso de Santarém. No entanto, considero que não temos noção da
dimensão da sua devoção que aconteceu durante séculos e dos inúmeros cultos e
milagres que lhe foram atribuídos, assim como, das peregrinações que deveriam
acontecer em grande escala, fé e religiosidade.
“As pedras sagradas”, como lhes chamo,
correspondem a um conjunto de pedras que se encontrariam no interior do
Mosteiro de Santa Iria, no local onde deverá existir uma nascente natural.
Estas pedras estavam tingidas de vermelho, ao que os devotos designavam ser o
sangue de Santa Iria com propriedade milagrosas, assim como, consideravam ser
aquele o sítio onde foi degolada.
A Terceira Parte da obra Monarchia Lusitana de 1632, pela mão do
Freire António Brandão, conta-nos o que acabei de explicar:
“
(…) Junto da ponte da banda onde esteve a povoação da antiga Nabância está o
Mosteiro de Santa Eyria edificado no mesmo lugar onde degolaram a Santa,
ficando-lhe a fonte onde foi martirizada dentro da clausura dо Mosteiro. Todas
as pedras que dela tirão saem com veias de sangue e fazem muitos milagres. (…)”
O padre António Carvalho da Costa, na
fabulosa obra Corografia Portuguesa e
Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal tomo III de 1712, recorda:
“
(…) ficando-lhe a fonte, aonde foi degolada” e dentro do Mosteiro “as pedras salpicadas com sangue e fazem
muitos milagres”.
Estes são dois autores que provam este
facto. A descrição do Freire Brandão quando se refere a “veias de sangue” é bem elucidativa do local ser único e de ter
algo bem humano que o conecta à lenda de Santa Iria, no entanto, não é possível
perceber a dimensão temporal da adoração feita a estas pedras sagradas.
Um lugar que podemos ponderar um
paralelismo é a fonte da Quinta das Lágrimas em Coimbra, onde um fungo deixa as
pedras vermelhas prolongando assim a história de amor entre D. Pedro e Inês de
Castro, conta a lenda que namoraram naquele local e que ali está o sangue da
galega para todo o sempre a recordar. No caso de Santa Iria podemos criar um
paralelismo popular, onde as pedras durante séculos terão preservado a lenda,
mas neste caso, perdeu-se por algum motivo a adoração às mesmas.
Este é mais um segredo da terra nabantina
que provavelmente ainda por lá estará entre o brotar da nascente, interessante
seria de futuro fazer renascer a visita às pedras vermelhas, pois são as
histórias e os pontos de visita que permitem deslumbrar quem promete voltar.
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