Crónica Feitos & Feitios de João Amendoeira Peixoto in Jornal Cidade de Tomar de 5 de Abril de 2019
“OS MORTOS COMANDAM OS VIVOS”
Inéditos sobre Fernando Pessoa: As Crónicas de Francisco Peixoto
Bourbon para o Jornal Cidade de Tomar – Parte 2
Francisco Peixoto Bourbon, nosso colaborador do Jornal Cidade de Tomar nos anos 80, amigo próximo do chefe de
redação o Dr. Romualdo Mella e antigo participante nas Tertúlias do Café
Montanha onde Fernando Pessoa marcava presença, deixou-nos uma herança escrita
notável, em toda a sua amplitude, sobre o quotidiano do nosso poeta.
Na Parte 1, revelo que Peixoto
Bourbon menciona o apreço que Pessoa tinha pela Maçonaria manifestando ser
Rosa-Cruz.
“Mas Fernando Pessoa mantinha-se
indiferente pois que o seu mundo estava algures e vivia-o na epopeia de
quinhentos e o excesso de ódio que sentia não ver à sua volta como que mais o
acicatavam para prosseguir a sua obra ímpar. Quando tomou posição contra Pedro
Teotónio Pereira a propósito do livro publicado por António Boto e quando tomou
posição contra o Dr. José Cabral a propósito de legislação publicada contra as
associações secretas (Maçonaria) houve quem pretendesse que era um nevrótico.” (1)
Peixoto Bourbon explica que esta defesa de Fernando Pessoa para com a
Maçonaria, trouxe-lhe alguns dissabores tais como rumores errados sobre a sua
personalidade, salientando Bourbon que o poeta “era calmo e sereno sendo as suas preocupações teosóficas e
esotéricas”. (1)
O nosso colaborador do Jornal
Cidade de Tomar conheceu nesse tempo pessoas de elevada cultura e que
sabiam expor o conhecimento com “suprema
elevação”, a que denominavam de «charmeurs»
e de que Fernando Pessoa foi, sem margem de dúvidas, um deles. (2)
Lembra o senhor Gualdino Gomes que numa “renhida discussão” com Fernando Pessoa ficou sem argumentos, “ficou positivamente derrotado e falho de
argumentos perante a lógica
implacável” deste, que sabia que Gualdino era “um pouco superficial e cultivando a graça e efeitos fáceis”.
Na mesma linha de pensamento, numa reflexão sobre o presente dos anos
80, Francisco Peixoto Bourbon designa que a Televisão matou os serões e as
tertúlias com malefícios e estragos “que
daí têm resultado na cultura portuguesa.”. (2)
De forma breve, devo apresentar Gualdino Gomes (1857-1948), funcionário
da Biblioteca Nacional, um amigo saudosista do escritor Fialho d`Almeida, de
uma geração anterior à de Fernando Pessoa, que teve a possibilidade de conviver
em tertúlia com várias gerações de pensadores, sendo um grande intelectual com
artigos em jornal, acusado por alguns por não ter obras nas livrarias, ao que
se defendia “sou um leitor, não sou um escritor”. (3)
“Hoje recordo alguns desses
memoráveis serões passados à mesa do Chiado (hoje desaparecido) e em que íamos
até às lágrimas perante o imprevisto das respostas, as situações cómicas e
ridículas que se descreviam e a naturalidade e elevação com que tudo era
descrito. Que pena nessa altura não se dispor de gravadores pois se teriam
executado cassetes em que poderia encontrar a voz de Fernando Pessoa, de
Gualdino Gomes e do Capitão Romero do Porto que conservariam para os vindouros
o génio dos que nos antecederam e poderiam verificar como não havia exagero em
classificar de geniais tão disputados conversadores.” (2)
Peixoto Bourbon revela que Fernando Pessoa era “um homem livre” que pretendia servir a
Nação, tentando reunir os portugueses em torno de um Sonho, tentando acima de
tudo procurar sempre a verdade “fugindo
aos grunhidos da mesnada” e nesta demanda da verdade tinha uma “arte natural” e “talvez por isso é que foi acusado em vida de ser um emérito actor e um
farsante” o que poderá ter contribuído para a imagem de que o poeta é um “farsante”, ou seja, um fingidor. (2)
Com certeza, considero eu, que tanto Fernando Pessoa
como até Peixoto Bourbon, sentiriam uma enorme tristeza com a quantidade de “fake news”, ou seja, notícias falsas,
que entopem a nossa presente sociedade em pleno século XX, assim como,
ensurdecem e ridicularizam o conhecimento da realidade.
Voltando a Gualdino Gomes, nas suas conversas com Fernando
Pessoa, tentava a todo o custo desviar-se das mais recentes descobertas
científicas, fugindo em conversa para a geração de 1900s e acerca de Fialho de
Almeida de quem tinha sido amigo íntimo. Segundo Bourbon, enquanto Gualdino era
defensivo no seu prestígio, Fernando Pessoa era aberto e entregava-se à
conversa com a maior da sinceridade, cheio de «Fair-play» fruto de uma educação britânica de “aluno laureado com um prémio da Rainha Victoria”. (2)
Peixoto Bourbon no seu melhor como “leitor” do génio
da personalidade de Pessoa entendia-o da seguinte forma: “Uma coisa era certa. Pessoa amava o passado mas tinha os olhos postos
no futuro e entendia que este último se moldava num passado dinâmico que estava
longe de estar morto estando bem convicto que os mortos é que, em última
análise, comandam os vivos.” (2)
(CONTINUA)
Bibliografia:
(1) Bourbon, Francisco Peixoto. A
abusiva apropriação de Fernando Pessoa. Jornal
Cidade de Tomar. 29/02/1980.
(2) Bourbon,
Francisco Peixoto. A abusiva apropriação
de Fernando Pessoa. Jornal Cidade de
Tomar. 14/03/1980.
(3)https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/eurico-de-barros/interior/o-erudito-chistoso-que-pontificava-no-chiado-1267582.html
*Fotografia de
Tertúlia no Martinho da Arcada, onde está Fernando Pessoa, ao centro de barba
branca surge Gualdino Gomes (em comparação com fotografias do próprio)
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